Zema desarma ‘consenso’ da reforma da previdência e mantém o palanque
Ao espalhar declarações, de caso pensado, o governador Romeu Zema (Novo) conseguiu o que queria. Não foi por ingenuidade, mas o fez para desmontar o consenso que estava sendo construído pela aprovação de sua reforma da previdência. Tanto é que a reunião de líderes partidários na Assembleia, prevista para ontem, foi desmarcada após o disparo das críticas do governador. Na pauta, a busca de um consenso mínimo para viabilizar a aprovação da reforma. Se a conta de votos não fechava, agora ficou mais distante.
Romeu Zema esbraveja e faz denúncias contra servidores, reprodução Facebook de Zema
Zema não falou para os deputados estaduais nem concedeu entrevista à imprensa, dirigiu-se apenas às redes sociais, onde pode manter o discurso de campanha sem ser contraditado. Conta para seus seguidores que luta como sozinho contra os vilões do Estado, “os privilegiados servidores públicos” e a “velha política mineira”, encastelada no Legislativo.
Com receio de ver sua reforma aprovada, deixando-o sem discurso, Zema chutou o balde cheio de leite contra seus secretários, servidores e deputados. Pôs em xeque a boa-fé de secretários e até da Assembleia Legislativa. Lança todos no campo da desconfiança e do descrédito quando fazem, nada mais, do que exercer o ofício constitucional de suas funções
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Dois caminhos para governar
Com jeito de indignado, Zema xingou os sindicatos de servidores por serem contra a reforma. Se fossem a favor, seria coisa de doido ou digno de serem chamados, obviamente, de pelegos por seus representados. E ainda acusou os servidores de, genericamente, praticarem ‘rachadinhas’, uma maneira, sabe-se lá qual, de levar ‘algum por fora’ do governo anterior para não reagir. E mais, comparou a própria reforma da previdência à morte, por ser inexorável como o fim.
Tudo somado, ele, como o servidor, também não quer sua aprovação. Como disse um deputado observador, se Zema tivesse dois caminhos para seguir, um que seria bom para o Estado e outro para sua reeleição, ele iria para o último. “E aí vai inventar os culpados, os adversários que o impediram de fazer a escolha certa”, arrematou o parlamentar. De maneira resumida, o ex-governador Fernando Pimentel (PT) reagiu ao ser chamado de mentiroso com uma frase só: “Como todos os mineiros, espero que ele comece a governar”.
O governador deve levar alguns processos judiciais nas costas pela difamação aos sindicalistas. Por tentar impedir a liberdade sindical e de expressão, conquistará apenas a antipatia. Como resultado, conseguiu mobilizar ainda mais as representações associativas e sindicais contra sua proposta e seu governo.
‘Novo’ contra o ‘velho’
Outros deputados também viram nas declarações de Zema estratégia pensada, com o objetivo de colocar a população contra os servidores e contra a própria Assembleia. Com isso, ficaria sozinho no papel de bem intencionado e da nova política em oposição aos privilégios e à velha política. Fica assim dividido entre ser governador ou ser militante do que chamam de ‘Novo’.
Na semana passada, os secretários de Governo, Igor Eto, que cuida da coordenação política, e o de Planejamento, Otto Levy, que cuida da gestão, foram duas vezes à Assembleia. Presume-se que foram a mando, ou autorizados, do governador para ouvir e justificar as propostas da reforma da previdência.
Foram convidados pela Assembleia para participar do seminário sobre a reforma e, três dias depois, voltaram para receber as propostas apresentadas. Em resumo, participaram do dever constitucional do Legislativo de ouvir deputados e setores da sociedade, no caso os servidores, sobre as medidas. Mudanças que afetarão o futuro de, pelo menos, 500 mil famílias.
Proposta e decreto
O tal dever de casa poderia ter começado antes, na própria Cidade Administrativa, caso a figura do servidor não fosse tratada com desdém. Esse é o papel da Assembleia, o de aperfeiçoar, corrigir ou reprovar as propostas que vêm do Executivo. De forma contrária, não seriam projetos, mas decretos do tipo “cumpra-se” e não se fala mais nisso.
Após deixar um pacote de maldades na Assembleia, no dia 19 de junho, a 30 dias do recesso parlamentar iniciado nesta segunda (20), Zema ignorou os prazos e regimento da Casa. No pacote, embutiu uma reforma administrativa que desmontava, sem aviso prévio, a política remuneratória do servidor construída nos últimos 31 anos. Os deputados levaram 20 dias para desarmar a bomba e colocá-la em um plano de governabilidade possível.
Houve protestos de servidores em plena quarentena, em especial daqueles que mais assustam os governantes. O presidente da Assembleia, Agostinho Patrus (PV), ainda teve que ouvir protestos por ter mantido a tramitação da reforma da previdência durante essa pandemia. No meio do tiroteio, ainda tentou legitimá-la com mínimo de participação ao realizar seminário de quatro dias sobre o tema. O deputado Sargento Rodrigues (PTB), por exemplo, chegou a dizer que o mandato dos deputados estava “reduzido a quase zero e castrados” pela falta de debates e de participação popular.
Reforma é comparada à morte
No mesmo seminário, foi dito pelo presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual, Marco Couto, que o partido Novo, de Zema, “se pudesse”, revogaria até a Lei Áurea. Disse, em tom de desabafo, ao enumerar a série de crueldades e de descaso com o servidor, ativo e aposentado, na reforma da previdência.
Na foto do encerramento do seminário, Igor Eto e Otto Levy aparecem sorridentes, por trás das máscaras de prevenção ao coronavírus, ao lado do presidente da Assembleia. Recebiam, no ato, as propostas apresentadas por associações e sindicalistas e consolidadas pelos técnicos da Casa. Não demonstravam participar de um teatro ou funeral, já que o governador Zema comparou sua reforma “à própria morte”.
Quatro dias depois, a bipolaridade de Zema os põe em xeque. Ao lado do governador, mas constrangidos, Igor e Otto fizeram esforço para reconhecer a importância dos parceiros. Apesar da inexperiência, ao final, a culpa não é do Igor Eto, como também não foi dos ex-coordenadores políticos, Custódio Mattos (PSDB) e do Bilac Pinto (DEM).