Desembargador: prisões em massa favorecem a criminalidade
O uso do direito penal como ferramenta política atende a interesses eleitorais e demandas midiáticas ao defenderem o encarceramento em massa para criar ilusões de segurança. “A consequência direta é a superlotação do sistema prisional e a falência de sua função ressocializadora”. A advertência é feita pelo desembargador Henrique Abi-Ackel Torres, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, no dia 21/10, lançou o livro Manual de Política Criminal.
O desembargador Henrique Abi-Ackel e a vice-presidente da Amagis, Rosimere das Graças do Couto, foto João Rosa/Amagis
Sobre as reflexões de sua obra, o magistrado fez o artigo abaixo, com exclusividade, para o site ALÉM DO FATO. Confira.
Desafios contemporâneos da Política Criminal e caminhos para a superação
O cenário contemporâneo da Política Criminal é marcado por desafios que testam a eficácia e legitimidade do sistema penal. O avanço do populismo punitivo, caracterizado pela adoção de medidas legislativas severas e de cunho simbólico, tem gerado impactos significativos. Essa abordagem busca atender às expectativas de uma sociedade alarmada pela sensação de insegurança, oferecendo soluções rápidas e simplistas, como o aumento de penas e a criação de novos tipos penais, sem necessariamente enfrentar as raízes profundas da criminalidade.
Esse fenômeno reflete a instrumentalização do direito penal como ferramenta política, que muitas vezes responde a interesses eleitorais e demandas midiáticas. No lugar de uma Política Criminal fundamentada em critérios técnicos e científicos, o que se observa é a exacerbação do discurso punitivista. O endurecimento das penas e a ampliação de punições servem mais para criar uma ilusão de segurança do que para resolver efetivamente os problemas sociais que originam a delinquência. A consequência direta é a superlotação do sistema prisional e a falência de sua função ressocializadora.
No entanto, a solução para esses problemas não está em um direito penal mais rigoroso, mas em uma política criminal mais racional, que se distancie de medidas meramente simbólicas e populistas. Superar esse cenário exige um retorno aos princípios constitucionais que devem guiar a intervenção punitiva, como a legalidade estrita, a proporcionalidade das penas e o respeito aos direitos humanos. O Estado precisa redirecionar seus esforços para a adoção de políticas públicas preventivas, que atuem nas causas da criminalidade, como a desigualdade social, a falta de acesso à educação e a exclusão econômica.
Medidas alternativas
A promoção de medidas alternativas à prisão e o fortalecimento da justiça restaurativa são caminhos que podem contribuir para a pacificação social e a redução da reincidência criminal. O foco não deve ser apenas a punição, mas a reintegração do infrator à sociedade, uma vez que o encarceramento em massa demonstrou ser incapaz de resolver os problemas da criminalidade contemporânea.
É nesse contexto que se insere o livro “Manual de Política Criminal: uma tentativa de sistematizar a matéria para melhor compreensão”. A obra oferece uma análise dos desafios enfrentados pelo Sistema Penal e dos caminhos possíveis para superá-los. O manual estabelece as bases do que é a Política Criminal, para então discutir criticamente o impacto do populismo punitivo e apontar para a necessidade de um modelo mais equilibrado e técnico. A obra propõe uma reconstrução da confiança no sistema penal, baseada não apenas na punição, mas na promoção da justiça e na efetividade das medidas adotadas.
Ao abordar de acessível as questões que envolvem a crise dos modelos político-criminais tradicionais, o livro tem por objetivo a compreensão e a proposição de soluções que vão além do punitivismo exacerbado. O leitor é convidado a refletir sobre como uma Política Criminal técnica e bem fundamentada pode, de fato, promover a segurança e a justiça, contribuindo para a pacificação social e para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
(*) Henrique Abi-Ackel Torres é desembargador do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), doutor em Direito pela Universidade de Sevilha (ESP); mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos; especialista em Vitimologia pela Universidade de Sevilha e graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.